Cultura vs Cultura
Ler muito e com critério. Ir ao cinema, ao teatro e a espectáculos culturais. Participar activamente em qualquer tertúlia. Indicar, com clareza, quais as preferências musicais. Visitar museus. Curiosidade na receita dos pastéis de Belém. Saber quem foi o Campeão do Mundo de Futebol em 1966, saber o que foi o 25 Abril de 1974: tudo é cultura!
Quero acreditar que o evoluir cultural do mundo moderno caminha neste sentido. A vida activa de qualquer ser quotidiano pode conter todas estas, e mais, componentes.
É certamente impossível, ou muito difícil, mantermo-nos a par de tudo. Mas não devemos ser restritos à nossa especialidade profissional.
Eu não sou, e sou, adepto dos tecnocratas, pois técnico, em sentido lato, “pertence exclusivamente a uma arte ou a uma ciência”. No meu entender, julgo que devemos ser autênticos especialistas e de elevada cultura na nossa área, mas devemos também procurar ser pessoas esclarecidas e interessadas nas mais diversas.
Poucas profissões haverão no mundo tão exigentes como ser médico. O poder de decidir sobre o sofrimento, e muitas vezes a vida e a morte das pessoas, é um poder que mais nenhuma classe tem. E a responsabilidade da perfeita convicção aquando da proposta de uma terapêutica médica também o é.
A formação é contínua e exigente. Semanalmente, quase diariamente, e passo a passo, sempre, com a mesma, necessária, seriedade e rigor. A quantidade de literatura médica é infindável e os congressos, mesmo apesar de interesses comerciais e marcações turísticas, são muitos.
Assim, pergunto-me se será possível, após a leitura sobre a descoberta, de investigadores da Faculdade de Medicina de São Paulo a partir da montagem de uma árvore genealógica, de uma nova doença mortal, designada provisoriamente por neuropatia hereditária motora e autonómica progressiva que se caracteriza por fraqueza dos membros superiores, inchaço da barriga, constipação intestinal e aumento do nível de colesterol, ter disposição para iniciar o novo livro de José Saramago?
Não será certamente o mais apetecível. É um facto que há 30, 40 anos a cultura médica e outras formas de cultura eram mais compatibilizáveis. A literatura médica era incomparavelmente menor.
Hoje, a hiper-especialização e a velocidade vertiginosa (e a competição!) dos progressos da Medicina impõem outros ritmos de leitura e dedicação.
A culpa é da profissão? É da vontade? Quanto a mim, o maior entrave são os horários de trabalho descabidos e, a consequente, falta de tempo para os mais diversos lazeres não relacionados com a prática profissional.
Sobretudo devidos a uma enorme falta de médicos no país: o sector da saúde em Portugal denuncia que para cada 100 mil pessoas, existem 324 médicos, valor extremamente baixo e que obriga à contínua recruta estrangeira.
O próprio bastonário da Ordem dos Médicos admite: “Os próximos 9 ou 10 anos vão ser complicados, pois vamos ter de exigir aos actuais médicos portugueses que trabalhem mais (!) e temos que, provavelmente, inventar formas de prestação profissional que sejam mais estimulantes, nomeadamente através do estabelecimento de convenções”.
A medicina é outra quando praticada por médicos cultos e em Portugal existe essa grande tradição, que é de ansiar que permaneça. Temos, entre muitos, o exemplo da comprovada genialidade de Adolfo Correia da Rocha, o nosso saudoso Miguel Torga, médico-poeta.
Todavia, com este novo “pedido” e obrigação para com a pátria em crise, quantas vezes, a família será subalternizada. Será lógico, então, que a cultura o seja ainda mais.
Penso que é tempo de o país compreender a necessidade de transversalidade de interesses e conhecimentos inerentes a uma personalidade humana, para que este evolua.
Mas afinal, – perguntavam-me há dias, a propósito de eu defender afincadamente este tema na mesa redonda – o que é que quer um doente quando no seu sofrimento procura um médico para o ajudar? A sua competência profissional ou um cidadão actualizado sobre literatura portuguesa, estrangeira ou outro tema qualquer não relacionado com a sua profissão? “Os pacientes apenas querem que lidem com eles como lidariam com um amigo”, foi a minha resposta.
Quero acreditar que o evoluir cultural do mundo moderno caminha neste sentido. A vida activa de qualquer ser quotidiano pode conter todas estas, e mais, componentes.
É certamente impossível, ou muito difícil, mantermo-nos a par de tudo. Mas não devemos ser restritos à nossa especialidade profissional.
Eu não sou, e sou, adepto dos tecnocratas, pois técnico, em sentido lato, “pertence exclusivamente a uma arte ou a uma ciência”. No meu entender, julgo que devemos ser autênticos especialistas e de elevada cultura na nossa área, mas devemos também procurar ser pessoas esclarecidas e interessadas nas mais diversas.
Poucas profissões haverão no mundo tão exigentes como ser médico. O poder de decidir sobre o sofrimento, e muitas vezes a vida e a morte das pessoas, é um poder que mais nenhuma classe tem. E a responsabilidade da perfeita convicção aquando da proposta de uma terapêutica médica também o é.
A formação é contínua e exigente. Semanalmente, quase diariamente, e passo a passo, sempre, com a mesma, necessária, seriedade e rigor. A quantidade de literatura médica é infindável e os congressos, mesmo apesar de interesses comerciais e marcações turísticas, são muitos.
Assim, pergunto-me se será possível, após a leitura sobre a descoberta, de investigadores da Faculdade de Medicina de São Paulo a partir da montagem de uma árvore genealógica, de uma nova doença mortal, designada provisoriamente por neuropatia hereditária motora e autonómica progressiva que se caracteriza por fraqueza dos membros superiores, inchaço da barriga, constipação intestinal e aumento do nível de colesterol, ter disposição para iniciar o novo livro de José Saramago?
Não será certamente o mais apetecível. É um facto que há 30, 40 anos a cultura médica e outras formas de cultura eram mais compatibilizáveis. A literatura médica era incomparavelmente menor.
Hoje, a hiper-especialização e a velocidade vertiginosa (e a competição!) dos progressos da Medicina impõem outros ritmos de leitura e dedicação.
A culpa é da profissão? É da vontade? Quanto a mim, o maior entrave são os horários de trabalho descabidos e, a consequente, falta de tempo para os mais diversos lazeres não relacionados com a prática profissional.
Sobretudo devidos a uma enorme falta de médicos no país: o sector da saúde em Portugal denuncia que para cada 100 mil pessoas, existem 324 médicos, valor extremamente baixo e que obriga à contínua recruta estrangeira.
O próprio bastonário da Ordem dos Médicos admite: “Os próximos 9 ou 10 anos vão ser complicados, pois vamos ter de exigir aos actuais médicos portugueses que trabalhem mais (!) e temos que, provavelmente, inventar formas de prestação profissional que sejam mais estimulantes, nomeadamente através do estabelecimento de convenções”.
A medicina é outra quando praticada por médicos cultos e em Portugal existe essa grande tradição, que é de ansiar que permaneça. Temos, entre muitos, o exemplo da comprovada genialidade de Adolfo Correia da Rocha, o nosso saudoso Miguel Torga, médico-poeta.
Todavia, com este novo “pedido” e obrigação para com a pátria em crise, quantas vezes, a família será subalternizada. Será lógico, então, que a cultura o seja ainda mais.
Penso que é tempo de o país compreender a necessidade de transversalidade de interesses e conhecimentos inerentes a uma personalidade humana, para que este evolua.
Mas afinal, – perguntavam-me há dias, a propósito de eu defender afincadamente este tema na mesa redonda – o que é que quer um doente quando no seu sofrimento procura um médico para o ajudar? A sua competência profissional ou um cidadão actualizado sobre literatura portuguesa, estrangeira ou outro tema qualquer não relacionado com a sua profissão? “Os pacientes apenas querem que lidem com eles como lidariam com um amigo”, foi a minha resposta.
Fernando Arrobas da Silva