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Opinaria é um blog simples, directo e espero que útil para muitos. É um espaço de livre opinião. Onde todos podem deixar o ar da sua graça, a sua marca, escrevendo um pensamento, uma teoria ou uma simples opinião. Será sem dúvida um espaço de debate... um espaço para todos... verdadeiramente democrático. Contudo, para que assim seja, precisa de participação e muitos temas.

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Sunday, December 31, 2006

Cultura vs Cultura

Ler muito e com critério. Ir ao cinema, ao teatro e a espectáculos culturais. Participar activamente em qualquer tertúlia. Indicar, com clareza, quais as preferências musicais. Visitar museus. Curiosidade na receita dos pastéis de Belém. Saber quem foi o Campeão do Mundo de Futebol em 1966, saber o que foi o 25 Abril de 1974: tudo é cultura!

Quero acreditar que o evoluir cultural do mundo moderno caminha neste sentido. A vida activa de qualquer ser quotidiano pode conter todas estas, e mais, componentes.
É certamente impossível, ou muito difícil, mantermo-nos a par de tudo. Mas não devemos ser restritos à nossa especialidade profissional.

Eu não sou, e sou, adepto dos tecnocratas, pois técnico, em sentido lato, “pertence exclusivamente a uma arte ou a uma ciência”. No meu entender, julgo que devemos ser autênticos especialistas e de elevada cultura na nossa área, mas devemos também procurar ser pessoas esclarecidas e interessadas nas mais diversas.

Poucas profissões haverão no mundo tão exigentes como ser médico. O poder de decidir sobre o sofrimento, e muitas vezes a vida e a morte das pessoas, é um poder que mais nenhuma classe tem. E a responsabilidade da perfeita convicção aquando da proposta de uma terapêutica médica também o é.
A formação é contínua e exigente. Semanalmente, quase diariamente, e passo a passo, sempre, com a mesma, necessária, seriedade e rigor. A quantidade de literatura médica é infindável e os congressos, mesmo apesar de interesses comerciais e marcações turísticas, são muitos.

Assim, pergunto-me se será possível, após a leitura sobre a descoberta, de investigadores da Faculdade de Medicina de São Paulo a partir da montagem de uma árvore genealógica, de uma nova doença mortal, designada provisoriamente por neuropatia hereditária motora e autonómica progressiva que se caracteriza por fraqueza dos membros superiores, inchaço da barriga, constipação intestinal e aumento do nível de colesterol, ter disposição para iniciar o novo livro de José Saramago?

Não será certamente o mais apetecível. É um facto que há 30, 40 anos a cultura médica e outras formas de cultura eram mais compatibilizáveis. A literatura médica era incomparavelmente menor.
Hoje, a hiper-especialização e a velocidade vertiginosa (e a competição!) dos progressos da Medicina impõem outros ritmos de leitura e dedicação.

A culpa é da profissão? É da vontade? Quanto a mim, o maior entrave são os horários de trabalho descabidos e, a consequente, falta de tempo para os mais diversos lazeres não relacionados com a prática profissional.
Sobretudo devidos a uma enorme falta de médicos no país: o sector da saúde em Portugal denuncia que para cada 100 mil pessoas, existem 324 médicos, valor extremamente baixo e que obriga à contínua recruta estrangeira.
O próprio bastonário da Ordem dos Médicos admite: “Os próximos 9 ou 10 anos vão ser complicados, pois vamos ter de exigir aos actuais médicos portugueses que trabalhem mais (!) e temos que, provavelmente, inventar formas de prestação profissional que sejam mais estimulantes, nomeadamente através do estabelecimento de convenções”.
A medicina é outra quando praticada por médicos cultos e em Portugal existe essa grande tradição, que é de ansiar que permaneça. Temos, entre muitos, o exemplo da comprovada genialidade de Adolfo Correia da Rocha, o nosso saudoso Miguel Torga, médico-poeta.

Todavia, com este novo “pedido” e obrigação para com a pátria em crise, quantas vezes, a família será subalternizada. Será lógico, então, que a cultura o seja ainda mais.
Penso que é tempo de o país compreender a necessidade de transversalidade de interesses e conhecimentos inerentes a uma personalidade humana, para que este evolua.

Mas afinal, – perguntavam-me há dias, a propósito de eu defender afincadamente este tema na mesa redonda – o que é que quer um doente quando no seu sofrimento procura um médico para o ajudar? A sua competência profissional ou um cidadão actualizado sobre literatura portuguesa, estrangeira ou outro tema qualquer não relacionado com a sua profissão? “Os pacientes apenas querem que lidem com eles como lidariam com um amigo”, foi a minha resposta.

Fernando Arrobas da Silva